
Minha garota (vou chamá-la assim) era uma amiga que tinha fora da minha turma, conversávamos muito, horas a fio até, relatávamos nossas frustrações, anseios e trocávamos pequenas confidências. Ela gosta de Bossa Nova, seriados e filmes de arte e eu gostava muito de conversar com ela sobre esses assuntos. Saíamos pouco, mas foi só ela conhecer meus amigos que nossas saídas passaram a ser mais frequentes, ela gostava de todos, e todos gostavam dela.
Com o tempo o pessoal começou a dizer que Minha Garota gostava de mim, e eu não acreditava. Ela era sempre muito carinhosa comigo, preocupada, dengosa e eu, confesso, fingia que não via para melhor passar. Eu sempre tive medo em conciliar minha bissexualidade, de ficar com um ou com outra ao mesmo tempo, de "não funcionar" na hora H e uma série de medos bobos.
Então um dia, com minha turma, Minha Garota foi nos encontrar em um barzinho e já chegou "alta". E disse, em tom de desabafo o quanto eu era uma fraude, pois eu fazia as pessoas se apaixonarem por mim e fingia que não percebia. Mesmo em tom de brincadeira, soltou muitas verdades para os meus amigos, que riam e nas costas balbuciavam pra mim ao longe "eu te disse". Na hora de ir embora, um amigo meu que estava de carona comigo disse que levava o carro dela até em casa, pra ela não dirigir, ela pulou no meu carro e fomos conversando. Eu brincava e dizia que era uma fraude, ela ria fazendo chacota de mim mesmo. Parei o carro em frente seu condomínio, nos olhamos e senti uma vontade louca de beijá-la. Nos beijamos por mais de cinco minutos, eu cheirava seu pescoço, mordiscava sua orelha, beijava seu colo. Minhas mãos correram por baixo de sua blusa até segurar em seus seios pequenos, mas firmes. Nessa hora meu amigo buzinou. Eu olhei pra ela, que sorria, e disse "melhor continuarmos outra hora". Ela consentiu e desceu do carro, deixei meu amigo em casa que perguntou várias vezes se eu tinha agarrado Minha Garota, e eu, lorde como sempre fui, me limitava a rir e dizer que ele estava muito curioso.
No outro dia eu estava me arrumando para o trabalho, pensando em como ligar e no que falar quando ela ligou. "Oi", respondi "cheio de desenvoltura", e ri. Ela riu e perguntou como eu estava, respondi que estava pensando nela e se ela dormiu bem. Minha Garota disse que sim, mas estava com um pouco de dor de cabeça. Nesse momento meu celular do trabalho tocou e era uma ligação internacional, minha chefe estava de férias e eu estava, pela primeira vez, ocupando seu lugar. Ela me passou umas missões urgentes para resolver que me ocuparam o dia todo e eu não liguei de volta pra Minha Garota. Mandei uma SMS fuleira tarde da noite pra falar do meu dia e que ligava no outro dia. Não liguei. Pior, nem mandei SMS. Trabalhei todo o fim de semana e na segunda feira encontro com uma amiga em comum, que sempre disse que a Minha Garota era a fim de mim e aproveitei pra contar que estava doido pra falar com ela e minha amiga me joga a bomba "encontrei com ela hoje, está namorando".
Fiquei em choque, mas como minha amiga era mais minha amiga que dela contei o que aconteceu, do beijo no carro, da ligação, de tudo. Minha amiga me contou que o tal namorado era um homem bem mais velho que ela e que ele a cortejava (esse termo é velho igual o cara) há algum tempo. Não liguei pra ela, mas acabei me encontrando com ela em uma madrugada de sábado, cinco da manhã, em um bar fim de noite aqui na cidade. Eu cheguei com dois amigos e ela já estava sentada com o velho dela e dois caras em uma mesa. Ela olhou pra mim e eu fiz sinal pra que ela viesse até minha mesa e ela veio. Pedi pra deixá-la em casa para conversarmos e ela disse que não podia. "Não pode ou não quer", perguntei. "Não posso", ela respondeu. Um dos caras que estava na mesa com ela foi até minha mesa e disse pra ela que o namorado estava chamando. Eu olhei pro cara e disse que eu estava conversando com ela, quando terminássemos, ela ia. O cara deu meia volta e o namorado idoso ficou me observando. Insisti de novo para que ela voltasse comigo, pra me dar a chance de conversar e ela se limitava aos "não posso". Ela se levantou e foi ao banheiro, esperei um tempo e me levantei para ir ao banheiro também.
Quando passei em frente ao banheiro feminino, ela vinha saindo, eu entrei no vão que separa o banheiro do salão, a agarrei e a beijei. Ela me beijou de volta. "Volta comigo, por favor", eu disse. Ela respondeu "não posso" e retornou pra dentro do banheiro. Eu sai do vão e entrei no banheiro masculino. Quando saí o namorado dela estava na porta do banheiro e me perguntou se eu a tinha visto, olhei nos olhos dele e disse "não sei de quem você está falando" (ha ha ha essa foi foda. me senti como Ferris Bueller).
Nos afastamos, deixei de ter uma amiga pra conversar e ver filme de arte, de trocar seriados, de ouvir bossa nova olhando pro mar. De socorrer o outro em momentos de apuros, de tomar cervejinha. Então, eu percebi que eu podia ter sido feliz com ela. E deixei ela viver o romance que não pude dar.
[continua...]